A Cervejaria Atlantica foi um grande complexo industrial cervejeiro fundado no início do século XX, em Curitiba. Quanto a seus fundadores há controvérsias. Fugmann (2010, p. 278) registra o ano de 1912, por Karl Henn e Friedrich Jens, porém, em 13 de dezembro de 1912, o Diário Oficial da União, certifica o depósito das marcas Cervejaria Atlantica e das cervejas Atlantica, Ancora, Iguassu e Curitybana, previamente registradas na Junta Comercial do Paraná, pela empresa Henn, Acker & Companhia. Não há aí referência a Friedrich Jens. Cinco anos mais tarde, em 1917, o Diário Oficial da União, do dia 27 de junho, publica a Escritura Pública de Organização da Sociedade Anônima Cervejaria Atlantica registrando o contrato social da empresa de propriedade – agora com seus nomes vertidos para o português – de Carlos Henn e Henrique Jens. Assim e até a oportunidade de outros dados, tem-se que o registro mais antigo da Cervejaria Atlantica data de 1912 com o nome de Henn, Acker & Companhia, sendo então, em 1917, de propriedade de Carlos Henn & Henrique Jens.

Figura 1. Instalações da Cervejaria Atlantica em Curitiba.
Revista Illustração Paranaense, No. 1, 1927.

Controvérsias à parte, o que se pode afirmar com segurança é que a Cervejaria Atlantica foi a maior fábrica de cerveja do Paraná à época. Ficava no começo da Avenida Iguaçu, mesma quadra onde, ainda hoje, está instalada uma indústria de cervejas. De acordo com Fugmann, já no início de suas atividades a fábrica ofereceu um produto que imediatamente conquistou o mercado. Com isso, cervejas de produção local e outras que eram vendidas na cidade, mas fabricadas no Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro, passaram a contar com uma forte concorrência.

Com a deflagração da Primeira Guerra a empresa tem dificuldade em importar matéria prima da Europa e, em consequência, passa a utilizar cevada brasileira e chilena, as quais, logo após o conflito, são substituídas pelo produto europeu considerado de melhor qualidade.

Em razão de possuir excelentes instalações, a cervejaria podia oferecer um produto único, fabricado com todos os cuidados de higiene. Isso propiciava a qualidade e o sabor sempre iguais e a garantia de fidelização do consumidor. Estes requisitos só foram obtidos pelo alto nível da produção industrial, onde foram instaladas máquinas utilizadas, à época, nas maiores cervejarias da Alemanha. Faziam parte ainda do complexo industrial, filtros, aparelhos para pasteurização, máquinas de engarrafamento automático, além de um frigorífico para a refrigeração do porão e para a fabricação de gelo. Além das instalações para a produção de cerveja, outros edifícios tinham equipamentos próprios para a fabricação de limonada, água gaseificada, malte e café de malte. Ainda no mesmo terreno, havia uma fábrica de caixas, uma ferraria, uma carpintaria, uma oficina de marcenaria, um depósito para matéria prima e outro para barris, garagens para os carros de uso da empresa e de particulares, etc. (Fugmann, 2010, p. 279)

Figura 2. Marca da Cervejaria Atlantica.

Descripsão: A presente marca é constituida por uma ancora. Esta marca poderá ser graphada de qualquer fórma, em qualquer formato e á tinta de qualquer côr ou córes ou por outro qualquer processo. Applicação: A Cervejaria Atlantica, sociedade anonyma, applicará a presente marca aos productos de sua fabricação, aos rotulos, enveloppes e cartas commerciaes e bem assim sob tabuleiro ou simplesmente, escripto nas paredes de sua fabrica e mais objectos que julgarem conveniente. Certifico que a marca de cerveja, figura de uma ancora da Cervejaria Atlantica, registrada na Junta. Commercial do Paraná, sob n. 1.387, foi depositada nesta junta em 12 do corrente, com um exemplar do Diario Official daquelle Estado em que saiu publicada. Eu, João Hygino de Araujo, 1° official desta junta, escrevi. Secretaria da Junta Commercial da Capital Federal, 27 de julho de 1917.

Os proprietários da Cervejaria Atlantica, já no início do século XX, preocuparam-se com a identidade visual da empresa e, de forma pioneira, providenciaram o registro da sua marca, cuja descrição foi publicada no Diário Oficial da União de 27 de julho de 1917.

Embora os recursos gráficos não permitissem a reprodução sempre exata da marca, seus elementos muito simples garantiram uma identidade visual para a empresa. A âncora, representação simbólica de estabilidade e segurança, foi reproduzida em todos os rótulos e representou uma iniciativa pioneira de uso de uma imagem como marca de identidade empresarial, aplicada segundo princípios que só se generalizariam anos depois. Embora a necessidade de diferenciação acompanhe o ser humano desde eras remotas, com a Revolução Industrial – e o advento da concorrência e do consumo – isto passou a ser regra também para as empresas e as mercadorias.

Entre as cervejas mais populares fabricadas pela Atlantica, estavam a Astra Pilsen e a Imperial Pilsen para o verão, e a cerveja Bock para o inverno. A Atlântica fabricava também as marcas Curytibana, Malzbier, Tourinho, Soberba, Porter, Atlantica e Muenchen. Segundo Fugmann, todas de excelente qualidade, preço baixo e grande aceitação. Ele observa ainda que, em 1929, a Cervejaria Atlântica produzia anualmente 3.500.000 litros, superando em estoque todos os seus concorrentes. Possuía cinco poços próprios e uma ligação especial à rede de água da cidade, o que fornecia água suficiente para a produção de cervejas, gasosas, vapor para a pasteurização, limpeza das garrafas, além de outras finalidades.

Como aconteceu com tantas outras cervejarias pioneiras no Paraná e em outros estados, a Cervejaria Atlântica foi comprada pela Companhia Cervejaria Brahma, em 1942.

Figura 3. Rótulo Cerveja Curitybana. Fonte: ciddestefanifotos.wordpress.com

Os Rótulos

Os rótulos de cerveja reproduzidos a seguir, foram, na maioria, impressos pela Impressora Paranaense ou pela Litografia Progresso. Somente em alguns deles é possível encontrar a assinatura da empresa litográfica. Nos rótulos de cerveja é muito comum a representação das plantas usadas na fabricação do produto, como a cevada e o lúpulo. A representação da figura humana – menos comum em rótulos de cerveja –  aparece no rótulo da cerveja Curitybana. Outros dois rótulos incluem representações de animais. Quanto ao uso das cores, descartando o branco do papel, há um predomínio do vermelho (com as suas variações como os ocres, marrons e laranjas), seguido pelo amarelo (incluindo aí o dourado usado em alguns rótulos), pelo preto e depois pelo verde, sendo que o azul é relevante apenas no rótulo da cerveja Curitybana.

Se a análise se desloca para os nomes das cervejas, verifica-se uma preocupação pela escolha de palavras adjetivas como Imperial, Soberba, Coroada, etc. Nesse aspecto, o nome em caracteres caligráficos é nitidamente uma exigência do fabricante para diferenciar o produto.

A caligrafia (palavra derivada do grego que significa bela escrita) é uma arte importante em muitas culturas, tanto no oriente como no ocidente. Simbolicamente, a caligrafia é expressão de civilidade, requinte, elegância, distinção, identidade. Estes atributos tem origem muito antiga e se baseiam, originalmente, no valor simbólico das letras em muitas tradições religiosas. Esta relação da forma com o caráter simbólico das letras transformou a caligrafia – como nas culturas orientais de tradição islâmica – em uma requintada forma de arte, perfeitamente integrada às tradições filosóficas e religiosas. No ocidente a arte da caligrafia remonta as tradições romanas e cristãs antigas, sendo sua prática cultivada nos mosteiros medievais onde se copiavam os textos bíblicos. Mais recentemente, a arte das belas letras serviu como símbolo de distinção entre a nobreza europeia e muito dos rituais e práticas da aristocracia acabaram sendo incorporados pela sociedade e são parte daquela herança até os dias de hoje.

A técnica caligráfica usada nesses rótulos objetiva informar ao consumidor da bebida que aquele é um produto com tradição. Essa mensagem desencadeia outras imediatamente transferidas ao produto, como: qualidade, confiança e distinção.

Estes rótulos confirmam o talento caligráfico dos litógrafos – na maioria ainda anônimos – atuantes nas duas principais empresas do Paraná.

BOGUSZEWSKI, José Humberto. A primeira impressão é a que fica: imagens, imaginário e cultura da alimentação no Paraná (1884-1940). 2012. 172 f. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História. Universidade Federal do Paraná, Curitiba.
FUGMANN, Pastor Wilhelm. Os alemães no Paraná: livro do centenário. Tradução de Francisco Lothar Paulo Lange. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2010, 382p.