Indústrias Adalberto Araujo

O beneficiamento e exportação de erva-mate foram atividades industriais pioneiras no Paraná, principalmente durante a primeira metade do século passado. Entre as empresas importantes no período, cabe destaque para a Indústrias Adalberto Araujo, fundada, em 1929, na cidade de Ponta Grossa.

De acordo com a historiadora Lucrécia Caron Bertagnoli, o fundador da empresa, o coronel da Guarda Nacional Adalberto Carvalho de Araujo, descendia de uma próspera família da burguesia rural da cidade de Imbituva, no Paraná, onde nasceu em 1896.

Carroções de transporte de erva-mate diante das instalações da Indústrias Adalberto Araujo 

A partir de sua fundação, a empresa se dedicou ao beneficiamento e exportação de erva-mate para os mercados do Uruguai e do Chile. De acordo com Bertagnoli:

“A tecnologia para beneficiamento empregada pelas Indústrias Adalberto Araujo S.A. era das mais modernas compreendendo a passagem da erva-mate cancheada por uma moenda de recepção, elevadores, peneira seletiva, transportador mecânico, moinho malhador e forno de retificação de umidade. A seguir a matéria prima era transportada por intermédio de uma esteira mecânica e de um elevador de caçambas ao silo de cancheada, em cuja parte inferior foi colocado um aparelho de medição para alimentar uniformemente o beneficiamento. ”

Posteriormente a erva-mate era peneirada, aspirada (para separar as folhas dos talos), granulada, tostada, limpa e embalada. Muitas marcas foram comercializadas internacionalmente e algumas delas podem ser conhecidas pelos rótulos ainda conservados e reproduzidos nesta postagem. Dentre eles destaco o rótulo da marca Júpiter seguido de uma análise revisada da originalmente publicada na minha dissertação de mestrado. Um trabalho semelhante sobre a Marca Amorosa pode ser lido clicando aqui.

Júpiter

No rótulo da erva-mate Júpiter, aparece representado um homem grisalho, com o torso nu, sentado, coberto da cintura para baixo com um tecido vermelho, tendo no pescoço um colar em forma de arco com a abertura voltada para a frente do seu corpo. Ele segura com a mão esquerda um bastão e com a direita uma cuia de chimarrão com a sua respectiva bomba. Um ramo de erva-mate aparece do lado direito da figura a seus pés e um arco misturando quatro linhas vermelhas, uma preta e uma azul está desenhado envolvendo a cadeira do lado esquerdo. Por fim, um aparador serve de apoio para os pés do personagem representado aí para dar sentido ao nome do produto.

Para Grimal, Júpiter é “a divindade do céu, da luz diurna, do tempo que faz, e também do raio e do trovão… poder supremo, presidente do conselho dos deuses, aquele de quem emana toda autoridade” (Apud. CHEVALIER; GHEERBRANT, 1991). A ilustração possui detalhes que reforçam estes predicados, como o trono e o bastão. O trono é o lugar símbolo da grandeza humana e divina. Já o bastão é sinal de autoridade e poder, inclusive o poder mágico.

No rótulo, merece comentario a frase: Unica por su paladar y duracion que busca rival sin encontrarlo. O texto funciona como um slogan, usado para enaltecer e diferenciar o produto. O slogan explora a posição hegemônica de Júpiter, o deus supremo dos romanos e, portanto, sem rival, atribuindo o mesmo posicionamento ao produto. Tem-se assim, o uso de uma alegoria para exaltar a bebida, neste caso, explicitamente o chimarrão, já que o fato de ser saboreado por Júpiter, transforma o mate em um alimento divino.

Por outro lado, a escolha do nome Júpiter consagra um deus e relega outro, pois no caso brasileiro, pode-se perguntar porque Júpiter e não Nhamandú, deus supremo dos tupi-guarani? Uma resposta provável é que a substituição da marca Júpiter por Nhamandú não justificaria o slogan da mesma forma, pois, embora sejam ambos seres mitológicos, o capital simbólico do deus romano é socialmente, ainda hoje, superior ao do deus tupi-guarani. Práticas culturais instituem valores e atuam sobre o imaginário social. 

“A arte é fonte privilegiada para o historiador interessado em resgatar não as verdades do acontecido, e sim as verdades do simbólico, expressas no imaginário de uma época. Este é o sentido daquilo que chamamos de mundo verdadeiro das coisas de mentira, para nos referirmos à tradução poética, literária ou pictórica da realidade.” (PESAVENTO, 2002).

BERTAGNOLI, Lucrécia Caron. Indústrias de beneficiamento de erva-mate no Estado do Paraná (1890-1977). 1978, 330f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Paraná. Setor de Ciências Humanas, Curitiba, 1978.
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. Rio de Janeiro, José Olympio, 1991.
PESAVENTO, Sandra J. Este mundo verdadeiro das coisas de mentira: entre a arte e a história. In: Estudos Históricos, Arte e História, nº 30, 2002. Rio de Janeiro, CPDOC/FGV, 2002.
O rótulo da erva-mate Goya pertence ao acervo da Casa da Memória de Curitiba. Os demais são do acervo do Museu Paranaense.