Embarquei no taxi e informei o percurso desejado. Enquanto o carro tomava o rumo do centro da cidade, o taxista, um homem de meia idade, em virtude de estar usando um boné me fez recordar de um personagem dos quadrinhos muito popular no passado: o Zé do Boné. Esse personagem, criado em 1957 pelo desenhista inglês Reg Smythe como Andy Capp, no Brasil foi rebatizado e suas histórias publicadas em jornais e revistas durante vários anos.

Surpreendentemente, o sósia do Zé do Boné, depois de várias esquinas passadas, permanecia calado. Nenhum comentário sobre o clima. Nada sobre o trânsito. Não posso dizer que dirigisse mal, mas se percebia nele uma indelével alteração de humor provocada por anos de tensão ao volante.

Pode ter sido esse o motivo porque, impaciente para fazer uma ultrapassagem, não sinalizou e deu uma “fechada” em outro carro. Nada muito grave, mas suficiente para provocar uma reação irada do motorista obstruído que, gesticulando, berrou em sua direção:
– SEU VELHO CARECA…

O restante da frase eu pude deduzir, porém não ouvi. Tampouco o destinatário da gritaria. Impassível, continuou a dirigir sem abrir a boca. Percorremos mais algumas quadras até pararmos num semáforo. De repente, virou-se em minha direção e com uma expressão mista de surpresa e indignação, perguntou retirando o boné da cabeça:
– Como ele sabia que eu sou careca?!

Diante da impossibilidade de uma resposta, não demorou para estarmos ambos rindo da situação. A partir daí e até eu desembarcar do taxi, a conversa correu descontraída. Falamos das mazelas do trânsito, do crescimento desordenado da cidade e até do clima. Despedimo-nos como velhos amigos. Enquanto o taxi se afastava e se perdia de novo no tráfego da Amintas de Barros, eu sentia saudades das histórias do Zé do Boné.