Li a pouco tempo, na versão para a internet do jornal inglês The Guardian, um artigo sobre pesquisas recentes de fenômenos sensoriais envolvendo o processo da alimentação. Por tratar de conteúdo voltado a leitores de várias áreas, resolvi traduzi-lo e reproduzo abaixo o resultado. No final do texto está o link para acesso a reportagem original. Sugestões para melhorar a tradução são bem-vindas. Boa leitura!

Aviso: este artigo poderá alterar
radicalmente
a maneira como você come

Amada ou odiada, a gastronomia molecular – a apropriação pelos “top chefs” dos métodos da ciência industrial dos alimentos – tem sido um dos mais influentes movimentos alimentares dos últimos tempos. Mas, como o conceito está um pouco gasto, uma nova abordagem científica (com um nome novo misturando comida e ciência) vem ganhando força: a gastrofísica. O termo foi cunhado em Oxford pelo psicólogo experimental Charles Spence, cujo trabalho sobre a percepção do sabor mostrou em detalhes fascinantes e com frequência divertidos como o sabor, o aroma e a nossa total apreciação dos alimentos são influenciados por todos os sentidos (sim, até mesmo pela audição), da mesma forma que o nosso humor e expectativas.

Spence e seus gastrofísicos contemporâneos – que trabalham em áreas que vão da psicologia, da neurociência e das ciências sensoriais ao marketing, à economia comportamental e ao design – não falam sobre o “gosto de” uma refeição. Em vez disso, dizem o “sabor de”, porque sabem que o gosto, que tecnicamente só acontece na língua, é uma parte insignificante do efeito global.

Grande parte dos achados de Spence e de seus colegas fazem sentido instintivo, como o que revela que a comida posta no prato de forma bagunçada não terá o gosto tão bom como aquela organizada perfeitamente ou artisticamente. E que grande parte desse corpo de conhecimentos foi usado pela Grande Indústria para manipular os consumidores desde a década de 1930, quando os fabricantes da 7-Up já sabiam que quanto mais amarela a lata, mais cítrico o sabor da bebida. Ou que quanto mais arredondado (o produto ou o seu logotipo) mais doce ou quanto mais pontudo mais amargo. Mas, apesar da influência de Spence em relação a alimentos produzidos em massa e aos estrelados pelo guia Michelin, ele se mostra disposto a compartilhar esses segredos também com os consumidores (ver seu livro The Perfect Meal). Aqui estão alguns dos fatos gastrofísicos mais esclarecedores sobre como nós percebemos o gosto…

O caro é mais saboroso

Os gastrofísicos gostam do artifício e têm demonstrado que, se pagamos mais por um vinho, vamos achá-lo mais saboroso. O peso também implica qualidade. Se nos são dados talheres pesados, vamos gostar mais do alimento (por exemplo, um iogurte será percebido como sendo mais cremoso), pensaremos ser de qualidade superior e estaremos mais dispostos a pagar mais por ele. Mesmo o som ambiente em restaurantes pode elevar a conta: música clássica faz com que os comensais escolham as opções mais caras do menu, enquanto a música alta aumenta as vendas de refrigerantes.

Não coma enquanto assiste Solaris

O rei de dicas sobre dieta gastrofísica é o professor Brian Wansink da Cornell Brand and Food Lab. Assistindo a filmes tristes, sua equipe recentemente percebeu o drástico aumento do descontrole alimentar. Espectadores assistindo Solaris mastigam 55% mais pipoca do que aqueles que assistem Casamento Grego. Da mesma forma, comer na frente da TV é uma má ideia, porque você simplesmente não percebe seu corpo lhe informar que está cheio.

Wansink e sua equipe também analisaram a influência da cor do prato sobre o consumo de alimentos. Ocorre que pratos vermelhos são um meio de reduzir a ingestão de alimentos. O fato parece estar relacionado ao menor contraste entre a comida e o prato. Também foi demonstrado que a iluminação azul desencoraja excessos alimentares. Você pode argumentar que essas estratégias são semelhantes às que cobrem a sua comida com quantidades intragáveis ​​de sal. Quem quer um prato cheio de comida sem gosto?

Comer sozinho irá mantê-lo em forma

Nós comemos 35% a mais quando acompanhados de outra pessoa, 75% a mais se com outras três e duas vezes a mais quando há sete ou mais comensais. A variedade também incentiva a comer demais. Uma bacia de M&Ms multicoloridos vai terminar mais rápido do que uma tigela com os mesmos doces, mas de uma cor só.

Quem decide ganha

Se você costuma sentir que fez a escolha errada em um restaurante, então saiba que: quem escolhe primeiro tende a gostar mais da comida ou da bebida. Os que escolhem depois tendem instintivamente a rejeitar o que já foi escolhido (fenômeno psicológico chamado de “necessidade de unicidade”) e acabam optando por algo que normalmente não escolheriam.

A cor é o trunfo do paladar

Spence enganou facilmente especialistas em vinho ao misturar num vinho branco corante alimentar vermelho fazendo-o parecer um vinho tinto. Ao ser avaliado, o vinho branco original foi adjetivado com termos como mel, limão, lichia e palha (ao passo que a versão vermelha evocou chicória, carvão, ameixa, chocolate e tabaco).

O vinho também parece 50% mais doce quando consumido sob uma luz vermelha. A razão? Os olhos são o nosso sentido mais influente, com a visão ocupando maior espaço do cérebro e, por isso, a expectativa implantada em nossas mentes pela cor pode ignorar o sabor e o aroma juntos.

Quem sabe que usos sinistros desses conhecimentos tenham sido usados ao longo dos anos? Mas quem avisa amigo é, certo? Talvez a disseminação dos resultados gastrofísicos venha alimentar movimentos contra fabricantes de alimentos que provocam obesidade, cadeias de restaurantes enganadoras e pretensiosos vinhos enjoados.

Amy Fleming para o jornal The Guardian em 03/06/2015