Ser quadrado

Ele não se considerava um quadrado perfeito. Afinal, nada no mundo é perfeito. Mesmo assim, nenhuma figura poderia dizer que não se esforçasse por manter a forma, com seus quatro lados iguais e ângulos retos. Não era particularmente vaidoso, mas, em razão de suas atividades, normalmente se apresentava de forma linear ou colorida, com texturas e muitas outras indumentárias. Apesar disso, não era seu aspecto físico o que mais lhe importava. Tinha consciência do seu papel social.

Sentia orgulho de sua história, de seus antepassados, suas características hereditárias que lhe permitia ser classificado como convexo, cíclico, equilátero, isogonal, isotoxal. Sentia-se privilegiado por fazer parte de uma comunidade tão importante e influente em áreas como as artes, a arquitetura, o design, a geometria, a matemática, as ciências.

Não gostava quando usavam o seu nome para acusar alguém de ultrapassado. Mesmo assim, como admitia, tinha muito mais motivos para orgulhar-se do que lamentar-se. Sentia especial satisfação quando via sua figura ser associada à retidão, honestidade e esmero.

Como qualquer figura popular, era muito requisitado e, quase sempre, via-se envolvido em tarefas com outras figuras importantes como os círculos, os triângulos e com alguns parentes próximos, como os retângulos. Juntos, atuavam em múltiplos ambientes e projetos.

Sabia que, na vasta descendência dos quadrados, muitos foram os que diretamente participaram e influíram na carreira de inúmeras celebridades. Como aqueles que auxiliaram Pitágoras e Euclides no desenvolvimento da matemática e da geometria. Ou ainda o, que junto com um círculo, foi usado por Leonardo da Vinci na sua representação do Homem Vitruviano, modelo do estudo artístico das proporções do corpo humano, uma das realizações marcantes do Renascimento.

Tinha especial admiração, no entanto, pela influência dos quadrados na história da arte, da arquitetura e do design ao longo do século XX até hoje. Estava convencido de que nenhuma outra época dera tanta importância às formas e suas contribuições à cultura, em particular à cultura dos quadrados.

Como não lembrar alguns de seus antepassados recentes, como o revolucionário quadrado preto sobre fundo branco proposto pelo suprematista Kazimir Malevich, ou aqueles integrantes da série Homenagem ao Quadrado realizada por Josef Albers. Como não se emocionar diante de todos aqueles quadrados em Broadway Boogie-Woogie de Piet Mondrian ou da nítida influência dos quadrados no projeto da cadeira vermelha e azul de Gerrit Rietveld. Via como em muitos movimentos artísticos os quadrados tinham participação destacada, como no Cubismo, no Suprematismo, De Stijl, Op Art, Arte Concreta, entre outros.

No mundo eram bilhões os quadrados: no design de marcas e na infinidade de produtos industriais, na tipografia moderna, no urbanismo das cidades com suas praças, quadras, casas, edifícios e em tantas outras áreas. Eram sem conta os exemplos da decisiva contribuição dos quadrados à civilização. Quem se comunica hoje sem tocar seu dedo num quadrado na tela de seu celular?

No entanto, quando refletia sobre o futuro, como fazia agora, não escondia certa preocupação. No passado, eram necessários humanos com certos artifícios e materiais especiais, como régua, compasso e algum instrumento para traçar e, assim, reproduzir os quadrados. Hoje, com a rápida evolução da inteligência artificial e muitas vezes sem a participação de humanos, os quadrados se reproduzem em grande velocidade e são muito mais perfeitos. Por essa razão, se perguntava com frequência: até onde chegará o poder dos quadrados e das outras figuras? O que é ser quadrado hoje e o que será no futuro? A humanidade estará preparada?